Eu, e o principe que virou sapo

Eu e o príncipe que virou sapo
Luis Valentin Marcon

Existem interseções maravilhosas compartilhadas em mensagens de celulares. Elas são breves, e mesmo que não quisessem ser, não poderiam, pois carecem do brilho do olhar e da magia do toque, do sublimar-se que o perfume do outro nos remete. Mas... existem, e apesar da virtualidade efêmeras dos sentimentos, podem provocar mudanças existenciais significativas, pois as mensagens dirigidas com intencionalidade... bom, nós sabemos do que são capazes.
Então, num recorte da existência, deparei-me com uma princesa, e sem me preocupar com os termos, ou com qualquer outra coisa, assim a chamei. Ela era e ainda é, graciosa, delicada, dona de seu reino, reservada, cheia de buscas e pré-juizos. Mora num castelo de axiomas, sua guarda medieval usa heráldicos escudos da tradição e da família. Ela é uma princesa que vive na certeza de sua realeza, cercada pela continuidade, protegida de incógnitas, alheia às aventuras que impulsionam desconhecidas adrenalinas, nunca andou na floresta escura, nunca sentiu o ímpeto revolucionário, anarquista, insano das massas, e isto a torna pura, “limpa”, e... distante das verdades mais simples, aquelas providas de um vir-a-ser inexplicável, de amores inebriantes e felicidades incontidas.
Mas ela é uma princesa... e assim a chamei. No início o espanto foi discreto e se resumiu a um olhar, mas o início é sempre sutil e nas somas das sutilezas acabamos juntos, como se quiséssemos quebrar os elos da nobreza, converter o sacrílego, viver o momento, ser um misto de minoria e realeza, ou simplesmente nos conhecer, saciarmos uma vontade latente de paixão. E assim foi...
Mas ela é uma princesa... e seu primeiro ato e mais nobre, foi de me elevar a príncipe. Hó! Quanta honra! Mas aí... eu tinha meu mundo... e ele não pode ser negado, nem convertido, ele sou eu, e eu sou ele, e esta simbiose, cimentada na historicidade de cada um é inquebrantável, podem existir acomodações na busca da qualificação entre interseções, mas negarmo-nos é a condução a perda de identidade. E... choques estruturais estavam por nascer.
Então vivíamos numa virtualidade, relegando à distância nossas diferenças, vivíamos momentos únicos por serem simples, dos quais eu nunca tinha me dado ao prazer, e a “minha” princesa era (é) maravilhosa.
Eu já estava quase dizendo que a amava, e ela estava percebendo. Mas antes era preciso revelar meu mundo, minhas insanidades, abrir minha caixa de Pandora, aquilo que também era eu, mas que escondia em secretos cofres, acreditando que os segredos quando não revelados deixam de existir. Era preciso deixar claro que os príncipes possuem defeitos, mas podem ser, estar e fazer felizes suas princesas. Era preciso ir além das mensagens eletrônicas, era necessário tirar a pele, deixar-se ver em carne crua, para que se percebesse as fragilidades desta nobreza imposta e se declarasse o homem simples apaixonado pela mulher simples.
Mas ela é uma princesa... uma princesa medrosa que tem um reino a proteger, um enorme reino que se encontra no próprio umbigo. Talvez eu esteja sendo precipitado, pois sabemos que existe uma infinidade de possíveis reacomodações dos choques estruturais, mas enquanto isso... já que é primavera, fico a coaxar pra lua, numa cantiga lamuriante e digna de um verdadeiro sapo que um dia foi príncipe.
E soa assim, essa metamorfose de sensações, com um certo descompasso, como um contratempo em que se faz o silêncio, para depois do tempo, e assim sucessivamente a se construir uma melodia. Talvez os sapos, por natureza, saibam teoria musical, mas mesmo sem sabê-la fazem música, possuem ritmo por assim serem, e as princesas ao ouvirem suas lamúrias, em suas altas torres quase a tocar nas estrelas, um dia olharão para o chão... e... quem sabe!
As histórias encantadas povoam os pensamentos, ressoam no coração e se perpetuam no desejo de um final feliz, que na verdade, deveria ser o real começo ou um outro início. Quanta epistemologia desnecessária para se explicar o amor? Quantos séculos de tradições filosóficas e insuficientes para um único suspiro? Quantas metáforas, vice-conceitos, metonímias são necessárias para se relatar um único beijo? Não sei princesa... não sei por onde andas, não sei... talvez o pouco que eu saiba se resuma a te querer. Quanta realeza desperdiçada nos alicerces da razão, quanta tristeza envolta em trajes de gala, quanta sinceridade dispersa no ar... e meu olhar a te procurar...
Saiba princesa, que o amor é perigoso, te conduz a lugares desconhecidos, te torna suscetível a palpitares estranhos, a pensamentos insanos, e o melhor, te conduz aos braços de quem amas. Saiba princesa que o amor é assim... cheio de peripécias, de contorcionismos, de anseios, de verdades desconhecidas, de rupturas, de confronto com o cotidiano, muitas vezes com a moral vigente, com os planos tão racionalmente traçados. E daí...? Assim é o amor, e enquanto for possível, mesmo que seja somente para torna-lo grafia para que outros o leiam, mesmo que ninguém entenda, esta é a minha forma de vivê-lo.
Mas quando nossos lábios se tocam, não é “o amor”, é nosso, e... nada é possível de discrição, basta o bater do coração.
Turvo, 04 de novembro de 2004





Bons Livros pra se Viver

  • Antologia Poética, Caslos Drummond de Andrade
  • As Três Irmâs, Tchekhov,
  • Cartas a Théo - Vincent Van Gogh
  • Como Quem Risca a Pedra, Paulo Sá Brito
  • Eu e Outras Poesias - Augusto dos Anjos
  • Moll Flanders, Daniel Defoe
  • O Macaco Nu, Desmond Morris
  • O Mundo Como Vontade de Representação, Arthur Schopenhauer
  • O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
  • O Sofrimento do Jovem Werther - Johann Wolfgang Goethe
  • Pequeno Mundo, Hermann Hesse
  • Tocaia Grande, Jorge Amado
  • Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas - Pirsig Robert M.

Além do ponto...

Terra do Nunca, Imaginariun, Brazil
Um ser comum, eventualmente comunicável, geralmente distante, pensando...