Anímico


Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela. 
Toda manhã vou lá escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoada de todo jeito:
tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asa, é boca, é bico,
é grão de poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.

Adélia Prado

                         A confiança no outro se refaz a cada ato de verdade. Mas não é possível esperar que tudo seja verdadeiro em todo ato, é preciso tolerar, compreender, aceitar, porque esperamos muito e nem sempre nossa satisfação é possível. Esta afirmação causa desconforto, porque ser humano é estar sujeito as tempestades da existência, e supera-las, geralmente da forma mais simples, com paciência.
                     Confiar é desprender-se do juízo de que algo pode estar acontecendo quando não vemos, quando não sentimos ou quando não estamos. Confiar é estar de bem com o outro, independente da relação que se estabeleça e independente da nossa capacidade de imaginar as maiores tramas. Confiar não é saber, é comprometer-se de forma irreversível e honrosa para com os seres que compartilham nossa existência.



vacaciones!!!! kkkkk




Fragmento do exílio do papel




        
(...)
                        A vida se prolonga ao peso dos anos que carregamos em nossos ombros, e repentinamente, você começa a perceber que não precisa carregar tanto peso, suportar  tantos constrangimentos; os atos jogam em nosso rosto a água fria da consciência, perturbadora, mas esclarecedora, de que a vida é uma só e não possui  tempo de se repetir. Neste exato momento, a minha vontade, e talvez de todo ser humano é de voar para bem longe de todos os problemas pessoais que insistem em existir, sem pedir licença, sem se apresentar, invadindo nossa privacidade repentinamente. Há! Como seria bom voar feito Ícaro, fugir em direção ao sol, mesmo sendo um momento suicida com asas fixadas em cera, se derretendo ao calor da proximidade do astro, como seria maravilhoso cair então no mar, sem deixar vestígios e virar mito, carregando  os trágicos significados universais do desejo, com ousadia e liberdade.
                           Algumas pessoas desabrocham apenas uma vez na vida, e depois que isso acontece, murcham por dentro, mantendo aquela aparência de vida desprovida de significado. Então, diariamente, que  nossos botões desabrochem, que eles saiam pelo nariz sentindo o bom perfume da vida,  que esbugalhem nossos olhos para vermos as belezas do mundo, que abram nossa boca para exalarmos o gosto das belas palavras e que nossos ouvidos ouçam a boa música da natureza. Assim,  os que ainda estão  para desabrochar perceberão o jardim da vida, pois precisamos exalar nosso interior e fecundar a vida com a felicidade que desejamos.
                            Hoje, sempre é um dia  que não possui condições de  se repetir, assim como todos os outros o serão, então, porque não fazê-lo melhor do que foi ontem? Eu sei, nos faltam determinações  para resistirmos as provocações. Talvez, determinação seja a única forma de superar os problemas cotidianos, mas para desenvolve-la necessitamos de objetivos claros sobre o futuro que desejamos, do contrário, construímos alicerces em mangues, vinculados a uma obsessão sem direção. E o mundo, tão vasto como diria o poeta, se amesquinha, pois não existe solução sem uma busca constante vinculada a uma determinação, ao acaso, somente a sorte, que não tem hora pra chegar, e geralmente, pode tardar.
                           Ora, que se erga o sol de todo dia, que ilumine nossos caminhos, deixando evidente os lugares que devemos pisar, que nos banhe com seu calor, que nos mova justificando nosso movimento em prol de uma vida melhor, mais repleta de amor, mais transbordante de planos, e mais claro de essência sobre o que somos. Que o sol de todo dia  torne justo nosso lugar no mesmo, para que nos banhemos  de seus raios eternos e transpiremos nossa felicidade de existir.                                                                                                                                                             
(...)                            
Luiz Valentin Marcon
Março de 1999







Esqueça o passado

Viva o presente

Previna o futuro

Nono Arno




A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora – murmura a bunda – esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte

por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,

rebunda.

                                                               Carlos Drummond de Andrade






AS RELAÇÕES...


                                                    Arnaldo Jabour

Sempre achei que namoro, casamento, romance tem começo, meio e fim. Como tudo na vida.

Detesto quando escuto aquela conversa:

'Ah, terminei o namoro... '

'Nossa! quanto tempo?'

'Cinco anos... Mas não deu certo... Acabou'

'É não deu...'

Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou.

E o bom da vida, é que você pode ter vários amores.

Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.

Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro?

E não temos esta coisa completa.

Às vezes ele é fiel, mas não é bom de cama.

Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel.

Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador.

Às vezes ela é malhada, mas não é sensível.

Tudo nós não temos.

Perceba qual o aspecto que é mais importante e invista nele.

Pele é um bicho traiçoeiro.

Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai-mamãe mais básico que é uma delícia.

E às vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona.

Acho que o beijo é importante... E se o beijo bate... beleza... Se não bate... Mais um Martini, por favor... E vá dar uma volta.

Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra.

O outro tem o direito de não te querer.

Não lute, não ligue, não dê pití.

Se a pessoa tá com dúvida, problema dela, cabe a você esperar ou não.

Existe gente que precisa da ausência para querer a presença.

O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos, mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta.

Nada de drama.

Que graça tem alguém do seu lado sob chantagem, gravidez, dinheiro, recessão de família?

O legal é alguém que está com você por você.

E vice versa.

Não fique com alguém por dó também.

Ou por medo da solidão.

Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado.

E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento.

Tem gente que pula de um romance para outro.

Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?

Gostar dói.

Você muitas vezes vai ter raiva, ciúmes, ódio, frustração. Faz parte.

Você namora um outro ser, um outro mundo e um outro universo. E nem sempre as coisas saem como você quer...

A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.

Se alguém vier com este papo, corra, afinal, você não é terapeuta.

Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.

Na vida e no amor, não temos garantias.

E nem todo sexo bom é para namorar.

Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar.

Nem todo beijo é para romancear.

Nem todo sexo bom é para descartar.

Ou se apaixonar.

Ou se culpar.

Enfim...quem disse que ser adulto é fácil?


                     


  O ser humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um circulo, e tenho a capacidade interminável de estar no lugar certo na hora certa. A conseqüência disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiúra e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos tem o bom senso de morrer.

A menina que roubava livros
           Markus Zusak

Neste livro a morte é a narradora e sua visão sobre o ser humana é arrasadora...


O valioso tempo dos maduros





 
                      Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro.
                      Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
                     Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
                     Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
                    As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
                    Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade...
                    Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena.  E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade



O filósofo está preparado para morrer....!!!!!
"anônimo de todas as realidades"


O poema é uma bola de cristal.
Se apenas enxergares nele o teu nariz,

não culpes o mágico.

Mário Quintana



Nada sou e nada tenho,

mas é pela simplicidade do meu nada,

que te ofereço tudo.

(anônimo)


Se eu fosse um personagem de Shakespeare

Raptaria a amada sem tempo.

E de resgate,

bastaria o perfume de sua presença!

Marcon


Um dia desses...

eu crio coragem e falo tudo o que sinto!

Um dia desses...

 apareço com uma flor roubada e...

E digo que te amo!

Assim... de verdade, sem rodeios.

Um dia desses...

Marcon


 
“Eu estava dormindo e me acordaram

E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...

E quando eu começava a compreendê-lo um pouco,

Já eram horas de dormir de novo!”

Mario Quintana




Bom é paquerar como adolescente

Curtir as paixões da juventude

Namorar como adulto

Amar como se fosse pra sempre.

Marcon



“Quantas vezes a gente, em busca de ventura,

 Procede tal e qual o avozinho infeliz:

 Em vão, por toda parte, os óculos procura,

Tendo-os na ponta do nariz!”

Mário Quintana

sincretismos



FRASES DE FILÓSOFOS DA GRÉCIA ANTIGA:

O caráter do homem é formado pelas pessoas que escolheu para conviver.
Eurípedes

 O céu nunca ajuda o que não se mexer .
Sófocles

 Educai as crianças e não será necessário castigar os homens.
Pitágoras

 Não se desce duas vezes o mesmo rio.
Heráclito

 Não faças muitas coisas, se queres viver tranqüilo.
Demócrito
 A vitória sobre si mesmo é a maior das vitórias.
Platão
 

Ama-se mais o que se conquista com esforço.
Aristóteles
 A vida é breve, a arte é perene.
Hipócrates

 Retira-te dentro de ti mesmo, sobretudo quando necessitares de companhia.
 Epicuro

. Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses.
Inscrição do Templo de Delfos




Um homem, um fato, uma idéia,


se mantêm como memória,


quando justificam os valores empregados em vida,


no ato e na essência de esforços únicos,


são vislumbres significativos além-tempo,


dos quais as gerações existencialmente


não poderão mais prescindir.

Marcon

... uni & verso ...


Há universos por todo canto,

Nos detalhes e movimentos,

Há uma intenção em cada desabrochar de flor

Em cada gesto, em cada gota de orvalho.

 Um sussurro em cada quebrar de onda,

Uma chamada em cada pé de vento.

Luiz Valentin Marcon
13 de setembro de 1994


Eu não tenho filosofia: tenho sentido...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é

Mas porque a amo, e amo-a por isto,

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,

E a única inocência é não pensar...

ALBERTO CAEIRO
Fragmentos do PensamentoFilosófico de Fernando Pessoa

Estamos sempre buscando algo



                                No cotidiano se constata informalmente que as pessoas... nós ... podemos ter várias ou uma única busca, algumas são antagônicas, complementares, concludentes, e quando única pode ser uma busca suicida, poética, impraticável, etc, as buscas podem ter conotações de intensidade, podem ser fracas, fortes, densas, voláteis, etc., pra quem vive a busca ela pode ser especial, torturante, aprazível ou não, pode ser “a busca” do outro como se fosse de si mesmo, pode ser um enganar-se, uma exigência, um compromisso estabelecido com necessidade de ser rompido. E por fim, a busca da felicidade, esta inenarrável exigência da humanidade, que nos transforma a cada dia, que a tudo torna possível, quando nós buscadores nos colocamos disponíveis à vida, ao que é simples e especial, que está acontecendo bem próximo a nós, e por si só nos alegra, ao amor.

Luiz Valentin Marcon / 2006



Um dia te encontrei

na suavidade da voz,

e a felicidade senti.

A boca era de cantora,

mas seus olhos

não me viam .


marcon 2009



Felicidade...
É um estado de plenitude
Suspenso pelas asas do vento


Felicidade...
É estar atrelado às rédeas do amor
Jogando sementes de vida.


Felicidade...
Não se resume, se expande
Nas latências da paixão.


Felicidade...
É o que todos desejam
Sem saber como.

Marcon, 18 de março de 1999



O meu olhar é nítido como um girassol

Tenho o costume de andar pelas estradas

Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto.

Fernando Pessoa



...encontrei a garagem
que meu nono guardava seu fusca 69
e ela ainda existe,
lá onde o imaginário se concretiza...

Turvo,maio de 2208


Era o que poderia ser
Chuva nas costas
Pés cheios de lama
Os bolsos vazios
E a cabeça...
Cheia de esperança.

Foi o que poderia ter sido
O sol queimando o lombo
Os pés em bolhas
O passado distante
E a cabeça...
Leve ao vento.

Longa estrada de muitas vidas
A de cada um com todos
De pé, de joelhos, se arrastando
Pulando, correndo, descansando.
Em frente para várias direções
Dando voltas sem dar as costas

Indo, revendo, vendo ir,
Cruzando horizontes
Para avistar outros,
Andando sobre espinhos,
Sobre mares, sobre nuvens
Voando na imaginação.


Marcon, Julho de 1999



Tenha sempre bons pensamentos,
porque os seus pensamentos
se transformam em suas palavras.

Tenha boas palavras,
porque as suas palavras
se transformam em suas ações.

Tenha boas ações
porque as suas ações
se transformam em seus hábitos.

Tenha bons hábitos
porque os seus hábitos
se transformam em seus valores.

Tenha bons valores
porque os seus valores
se transformam no seu próprio destino.

Cecília Meireles





Suscinto


O peso da vida
Escorre pelo corpo
E depois...
Pisa-se com os pés.
O sorriso
Quando sincero
Pode ser sem dentes.
Na lixeira da vida
Jogamos mais do que devemos
É preciso reciclar.
O destino é contínuo e único
Os atalhos são criações humanas.
Não me reconheço.
Às vezes, finjo que esqueço
E num faz de conta
Volto ao começo.


marcon, julho de 2000

Meu mundo especial!


A melhor parte de mim
é o sorriso de Maria!

Floripa, agosto de 2001

Dicotomias


I.Ser racional pode ser considerado tanto benção como maldição, pois tomar consciência de si mesmo, romper nossa existência animal, perceber nossas limitações e impotências, é saber visualizar o próprio fim, a morte.
O homem é um animal que não encontra a solução para a sua existência e esta se torna um problema fundamental, e à procura da mesma, presta contas de si para si mesmo.
O homem é um ser original, não é idêntico a outro, por isso sua existência é solitária, porém, não consegue viver sozinho, faz o possível para viver em sociedade. Neste momento inicia-se a sua dicotomia existencial, procurando uma harmonia entre pensamento e natureza, través de ideologias e dogmas.
Porém, os sistemas mentais são insuficientes, devido o homem não ser desencarnado e não alcançar um sistema global mental. O monismo antropológico do corpo luta com o dualismo do “ser humano” ao acredita em algo transcedental.

II.Todos os homens são idealistas, pois anseiam por algo além da satisfação física.
Na iniciativa de elaborar soluções para o drama da existência, resultamos em inspirações primitivas, amortizadas por verdadeiros sistemas filosóficos e religiosos. Esses sistemas são elaborados e formulam cadeias imaginárias, como o totemismo, animismo, ou concepções teistas e ateístas. A repercussão dos mesmos reside na problemática de viver numa limitada existência em busca de perfeição. Desta forma poderemos abusar de conclusões, e inexplicavelmente dizer que o homem, necessita “acreditar” em algo para diagnosticar a existência.

III.Como existir e ser robotizado pela necessidade de se viver socialmente?
Enquanto o homem se socializa, se educa, se descobre como limitado, e por isso busca um apoio social, rompe-se o laço natural chamado liberdade.
A sociedade em que somos obrigados a viver, com nossas crises, limita nossa liberdade no controle do instinto animal, então, condicionados, nos tornamos racionais.
Neste ciclo vicioso que aceitamos existir, onde nascemos, são delimitados nossos caminhos serviçais, vivemos na deriva, na subjugação.
Estava louco Rousseau ao dizer, “O homem nasce puro, a sociedade o corrompe”? É mais correto existir e ser racional o suficiente para dizer que não se é livre?

Marcon, maio de 1988


O que é o homem revoltado?

O espelho nosso de cada dia


                                        Quando o dia nasce com neblina, as montanhas se escondem, e ficamos envolvidos por uma umidade. A temperatura torna-se relaxante, mantendo-se quente e fria, harmoniosamente. O sol transforma-se em figura imaginária, dando pistas com seus fios de luz. E o dia tece sua teia, até que a noite surja em penumbra estrelada.
                                        O vazio das angústias e as pressões das dúvidas adormecem, e o pensamento flexiona-se no cansaço das decisões tomadas durante o dia, na neblina, na umidade, nos fios de luz. O corpo relaxa fatigado, esperançoso por restabelecer-se. Dormimos.
                                       No entanto, felizmente ou infelizmente, sonhamos, desejosos por um renascer, mesmo conscientes que uma nova fadiga nos abalará, e novamente dormiremos, sonharemos e acordaremos. Este processo embaraçoso é o que chamamos de esperança, acreditando, apesar das probabilidades, de que o amanhã será sempre diferente.
                                      Nossa humanidade conspira com o universo, e ficamos a jogar pedrinhas numa lagoa de desejos, percebendo no tato o peso, as arestas, a deformidade de cada singularidade. Nos jogamos juntos... não, paramos no instante em que nossos fios de luz poderiam dar novos nós. Medo? Também! Mas a densidade da relação estabelecida está em compreender esperançosamente que um novo dia nascerá!

Luiz Valentin Marcon
22 de agosto de 1992

Havia Drumond no meio do caminho, ou seria uma pedra?
O caminho não é único, é composto por partes,
Uma pedra, uma poça, lama, poeira, luz, sombra e escuridão...
A lua possui fases, o sol nasce todo dia...
Um beija-flor...
Paramos os caminhos, descansemos,
A fome abala qualquer descanso, então levantamos,
Caminhamos novamente...
Porque a gente pensa o caminho coletivamente?
Eu comecei sozinho o caminho,
Mas outros estão também caminhando...
Os poetas, filósofos, literatos, desprendidos,
Carregando seus símbolos e mitos,
Existência egocêntrica e repentinamente coletiva,
Caminhemos...
Frio, solidão, felicidades, transformações, instantes da eternidade.
Somos uma possibilidade de eternidade,
Os caminhos continuam, tortuosos, subindo montanhas,
Atravessando vales, e nunca mais voltaremos...
Outro beija-flor...
Descansemos agora neste instante à sombra de uma árvore,
Ouçamos o vento trazendo a saudade de outros caminhos,
Sentindo os oráculos que vamos percorrer,
Ouçamos o tarô da natureza...
Paramos? Mas como parar na eternidade?
O instante não possui movimento?
As solas do pé já são mais grossas,
E o corpo é mais suscetível aos espinhos do caminho,
Mas a malícia de quem já muito andou propõe precauções,
A eternidade envelhece a cada instante, mesmo parada...
Parei de caminhar, agora posso voar com o vento.

Marcon, agosto de 1997 

O BICHO


Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira
Rio, 27 de dezembro de 1947
ए तुदो से मंत~एम् द मेस्मा फोरम

Será?


As verdades irracionais
Das utopias e paixões.
São as que transformam...

A abstração, o surreal,
Provido de criação,
Mudam as idéias...

A lógica...
Fica para o que já existe,
Determina seu limite.

Mas o que se deseja, de verdade!
Não tem explicação...
É a felicidade.

Nada do que foi
Poderia ter sido
E o que é, simplesmente é...

O mundo das representações,
É imaginário...
Só o amor é verdadeiro!

Luiz Valentin Marcon
Setembro de 2004

Consoada

Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou coroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria ou diga:
-Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios).
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Manoel Bandeira

* Para Manoel Bandeira, a iniludível era a morte, aquela que não se ilude. E ele que a teve por companheira, viveu como um poeta, em paz.

ESGUELHA

Pelo lapso de um triz os teus olhos eletrizaram os meus
Que baixei em luta comigo mesmo
Por ter gostado de vê-los.
E porque me calo,
Para que declares os teus desejos.
Pedro Port

O Instante Perfeito

Hoje é uma segunda, e por um motivo desconhecido o primeiro dia da semana se descansa, mas no segundo nos arrastamos carregando os últimos suspiros do desejo de que o primeiro nunca se acabe.
É chato, todo mundo sabe, e o melhor seria falar sobre o final do dia pois geralmente nada de interessante acontece no expediente normal, principalmente às segundas. Então, quando termina o dia, nós mortais, nos libertamos desta obrigação nada natural e eventualmente a maioria vai para casa vivenciar suas verdadeiras dúvidas, repletas de alegrias, tristezas, sonhos, lembranças e paixões.
Quando se fala desta forma a existência cria uma periferia poética, como se tudo se resolvesse ao dissolvermos a rotina em nossas buscas pessoais provavelmente sem solução. Então, no final da segunda caminhamos em direção aos terminais urbanos, aos milhares em todos os lugares, como formigas cegas tateando-se umas às outras.
As filas são extensas, onde estão um número de pessoas que rotineiramente se encontram no mesmo ônibus, e você imagina que nada se alterou, que a segunda realmente se perpetuará eternamente com seus grilhões ideológicos. Todos desistem e zumbimente se acomodam nos lugares que encontram e só sobram imagens que estão lá fora, tão normais, desprovidas de significados.
O ônibus vai partir e o último olhar para o vazio cotidiano se detêm fossilizado na qualidade sutil do ser humano, a elegância. Aquele ponto que nosso olhar se conserva num universo de imagens que se alteram, mas que podemos perceber pois nos chama atenção de uma forma admirável, delicada e cativante. Era você, discretamente elegante, “pretinho-básico”, de formas suaves no andar gracioso que se distanciou numa simbiose com a multidão.
O instante perfeito temporalmente é pequeno, mas a lembrança de uma imagem significativa, engrandece a vida, torna o pitoresco bonito, mexeu comigo, me fez pensar em você.

“Um humano olhar ao ser que aí está...”



“Um humano olhar ao ser que aí está...”

Luiz Valentin Marcon

“Há uma voz que dança, a uma voz que gira, bailando no ar (Raul Seixas)”, a uma voz que nos envolve, que não se cala, que não ouvimos, há uma voz subterrânea, encarcerada, uma voz silenciosa, que parece não existir. Olhamos para o mundo, andamos no mundo, imaginamos caminhos, superamos abismos, pegamos atalhos, nos enganamos com placas bem sinalizadas, entramos em becos, voltamos, recuamos, encontramos um desvio, e novamente imaginamos que estamos no caminho certo, depois cansamos (ou casamos), armamos acampamento, ocupamos um espaço físico-social, ganhamos e perdemos tempo, envelhecemos, reproduzimos valores, revolucionamos comportamentos, engessamos tradições, ficamos na história de nossas solidões, de nossos filhos, deixamos marcas, sangue, lágrimas, amores, idéias, e morremos. Tudo bem, é assim mesmo.
Quando andamos por aí sem rumo, se é que nos permitimos a tal prazer, escuta-se aquele silêncio interno tão difícil de ouvir, o confundimos com a respiração, batimentos cardíacos, gazes, ranger de ossos e dentes, estalar de beijos, roçar de corpos, dores, desejo, vazio, prazer, e lá no fundo, aquelas perguntas: “De onde eu vim? Para onde vou? Quem sou eu?”, e tudo sem resposta. Alguns “possuem” Deus, energia, espírito, anjo da guarda, coisas do mal, santos, xamãs, coisas do bem, sempre buscando uma resposta, outros “tem” lógica, consciência, ideologia, ídolos, sempre buscando uma resposta, depois morremos, e ... Tudo bem, é assim mesmo.
Outros, com rumo mais certo (?!), trabalham muito, ganham dinheiro, constroem palácios, viajam, tem dores de cabeça, medo de falir, contas movimentadas, ricos adornos, fetiches, exploram-se, se divertem, se cansam, tornam-se cardíacos, depois acumulam mais dinheiro, gastam, começam a morrer, possuem atendimento, plano privado de previdência, depois morrem, e... tudo bem, é assim mesmo.
Também há os visionários, alienista, sonhadores, entusiastas, idealistas, quixotescos, aventureiros, radicais, contempladores, ociosos, poetas, aqueles que parecem estar fora deste tempo, da normalidade vigente, aqueles que invejamos pela tranqüilidade, mas que não compactuamos porque parecem não ter iniciativa, estes também se vão, e... tudo bem, é assim mesmo.
Há! Não podemos esquecer os cientistas com suas metodologias em prol da verdade, os filósofos de intrincada lógica lingüística que também trilham os caminhos da verdade, os céticos que nada se perguntam por ter como verdade a sua impossibilidade, os literatos do cotidiano com suas cotidianas verdades, os apaixonados pela vida que transformam sua vida na verdade absoluta, e os marginalizados que não tem direito à verdade, e ... estes também se vão, mas tudo bem, é assim mesmo.
Quão frágil é o ser humano, e exatamente por sê-lo, tão especial é o ser humano, caminha neste universo misteriosamente maravilhoso, único, singular, esbarra em suas limitações, mas dá continuidade, geração pós-geração a esta insondável existência, a esta singular possibilidade de contribuir, de estar em relação, de criar, produzir, amar, pensando, fazendo-se, amando outra vez, amargurando-se entre circunstâncias, fragmentando-se, observando, perseguindo a felicidade, sendo artista de si mesmo, usando máscaras para suportar as tragédias, amando novamente, talvez agora um filho, um momento do passado, um animal, mas sempre e necessariamente sendo humano. E depois... todos vocês já sabem... sem resposta... é assim mesmo, mas agora já podemos olhar com outros olhos o ser que aí está.

Um dia vou pro mar


Um dia vou pro mar...
Vou.. e quando voltar
Não serei mais eu,
Outro eu estará
em meu lugar.
Um dia vou pro mar...
Vou... e se voltar
Não serei mais seu
Outro eu te amará
Em nosso lugar.

Meu retrato

“No retrato que me faço
- traço a traço-
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
-pouco a pouco –
minha eterna semelhança,


no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!”

Mário Quintana

Parei as águas do meu sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só as sombras dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisti em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.
(Cecília Meireles)

Minha rua

Minha Rua

A minha rua já tem cara de rua
Antes, nem existia... só mato.
Depois virou caminho de lama, um descampado
Tinha dois troncos sobre uma vala
Que em dia de chuva virava rio.
Depois vieram as casas, os postes de luz e...
A urbanidade nem pediu licença,
Passou com mudança, se instalou.
Agora...
É só uma rua...
Sem o som do mato
Na harmonia do tempo.
Ainda tem lua,
Mas sem o compasso dos sapos,
E a chuva vem e passa
Sem o anúncio dos pássaros,
Nem os grilos ficaram
As borboletas voaram
Agora...
É só uma rua com cara de rua.

Luiz Valentin Marcon

Aos que lutam

Os que lutam

"Há aqueles que lutam um dia;
e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias;
e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos;
e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida;
esses são os imprescindíveis."

Bertolt Brecht (1898-1956).

O corvo


O Corvo
Edgar Allan Poe

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."
Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.
E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."
Minhalma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."
Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."
No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."
Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."
Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."
"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."
E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais.

Eu, e o principe que virou sapo

Eu e o príncipe que virou sapo
Luis Valentin Marcon

Existem interseções maravilhosas compartilhadas em mensagens de celulares. Elas são breves, e mesmo que não quisessem ser, não poderiam, pois carecem do brilho do olhar e da magia do toque, do sublimar-se que o perfume do outro nos remete. Mas... existem, e apesar da virtualidade efêmeras dos sentimentos, podem provocar mudanças existenciais significativas, pois as mensagens dirigidas com intencionalidade... bom, nós sabemos do que são capazes.
Então, num recorte da existência, deparei-me com uma princesa, e sem me preocupar com os termos, ou com qualquer outra coisa, assim a chamei. Ela era e ainda é, graciosa, delicada, dona de seu reino, reservada, cheia de buscas e pré-juizos. Mora num castelo de axiomas, sua guarda medieval usa heráldicos escudos da tradição e da família. Ela é uma princesa que vive na certeza de sua realeza, cercada pela continuidade, protegida de incógnitas, alheia às aventuras que impulsionam desconhecidas adrenalinas, nunca andou na floresta escura, nunca sentiu o ímpeto revolucionário, anarquista, insano das massas, e isto a torna pura, “limpa”, e... distante das verdades mais simples, aquelas providas de um vir-a-ser inexplicável, de amores inebriantes e felicidades incontidas.
Mas ela é uma princesa... e assim a chamei. No início o espanto foi discreto e se resumiu a um olhar, mas o início é sempre sutil e nas somas das sutilezas acabamos juntos, como se quiséssemos quebrar os elos da nobreza, converter o sacrílego, viver o momento, ser um misto de minoria e realeza, ou simplesmente nos conhecer, saciarmos uma vontade latente de paixão. E assim foi...
Mas ela é uma princesa... e seu primeiro ato e mais nobre, foi de me elevar a príncipe. Hó! Quanta honra! Mas aí... eu tinha meu mundo... e ele não pode ser negado, nem convertido, ele sou eu, e eu sou ele, e esta simbiose, cimentada na historicidade de cada um é inquebrantável, podem existir acomodações na busca da qualificação entre interseções, mas negarmo-nos é a condução a perda de identidade. E... choques estruturais estavam por nascer.
Então vivíamos numa virtualidade, relegando à distância nossas diferenças, vivíamos momentos únicos por serem simples, dos quais eu nunca tinha me dado ao prazer, e a “minha” princesa era (é) maravilhosa.
Eu já estava quase dizendo que a amava, e ela estava percebendo. Mas antes era preciso revelar meu mundo, minhas insanidades, abrir minha caixa de Pandora, aquilo que também era eu, mas que escondia em secretos cofres, acreditando que os segredos quando não revelados deixam de existir. Era preciso deixar claro que os príncipes possuem defeitos, mas podem ser, estar e fazer felizes suas princesas. Era preciso ir além das mensagens eletrônicas, era necessário tirar a pele, deixar-se ver em carne crua, para que se percebesse as fragilidades desta nobreza imposta e se declarasse o homem simples apaixonado pela mulher simples.
Mas ela é uma princesa... uma princesa medrosa que tem um reino a proteger, um enorme reino que se encontra no próprio umbigo. Talvez eu esteja sendo precipitado, pois sabemos que existe uma infinidade de possíveis reacomodações dos choques estruturais, mas enquanto isso... já que é primavera, fico a coaxar pra lua, numa cantiga lamuriante e digna de um verdadeiro sapo que um dia foi príncipe.
E soa assim, essa metamorfose de sensações, com um certo descompasso, como um contratempo em que se faz o silêncio, para depois do tempo, e assim sucessivamente a se construir uma melodia. Talvez os sapos, por natureza, saibam teoria musical, mas mesmo sem sabê-la fazem música, possuem ritmo por assim serem, e as princesas ao ouvirem suas lamúrias, em suas altas torres quase a tocar nas estrelas, um dia olharão para o chão... e... quem sabe!
As histórias encantadas povoam os pensamentos, ressoam no coração e se perpetuam no desejo de um final feliz, que na verdade, deveria ser o real começo ou um outro início. Quanta epistemologia desnecessária para se explicar o amor? Quantos séculos de tradições filosóficas e insuficientes para um único suspiro? Quantas metáforas, vice-conceitos, metonímias são necessárias para se relatar um único beijo? Não sei princesa... não sei por onde andas, não sei... talvez o pouco que eu saiba se resuma a te querer. Quanta realeza desperdiçada nos alicerces da razão, quanta tristeza envolta em trajes de gala, quanta sinceridade dispersa no ar... e meu olhar a te procurar...
Saiba princesa, que o amor é perigoso, te conduz a lugares desconhecidos, te torna suscetível a palpitares estranhos, a pensamentos insanos, e o melhor, te conduz aos braços de quem amas. Saiba princesa que o amor é assim... cheio de peripécias, de contorcionismos, de anseios, de verdades desconhecidas, de rupturas, de confronto com o cotidiano, muitas vezes com a moral vigente, com os planos tão racionalmente traçados. E daí...? Assim é o amor, e enquanto for possível, mesmo que seja somente para torna-lo grafia para que outros o leiam, mesmo que ninguém entenda, esta é a minha forma de vivê-lo.
Mas quando nossos lábios se tocam, não é “o amor”, é nosso, e... nada é possível de discrição, basta o bater do coração.
Turvo, 04 de novembro de 2004





Bons Livros pra se Viver

  • Antologia Poética, Caslos Drummond de Andrade
  • As Três Irmâs, Tchekhov,
  • Cartas a Théo - Vincent Van Gogh
  • Como Quem Risca a Pedra, Paulo Sá Brito
  • Eu e Outras Poesias - Augusto dos Anjos
  • Moll Flanders, Daniel Defoe
  • O Macaco Nu, Desmond Morris
  • O Mundo Como Vontade de Representação, Arthur Schopenhauer
  • O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
  • O Sofrimento do Jovem Werther - Johann Wolfgang Goethe
  • Pequeno Mundo, Hermann Hesse
  • Tocaia Grande, Jorge Amado
  • Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas - Pirsig Robert M.

Além do ponto...

Terra do Nunca, Imaginariun, Brazil
Um ser comum, eventualmente comunicável, geralmente distante, pensando...